Acredito no estado eterno de mudanças.

Gosto de ver as mudanças da vida. Ontem criança, hoje adulto, amanhã idoso. Este espaço é para provocar diálogos que possam ajudar a mudar o meu jeito de olhar. E quem sabe você também entra nessa? Seja bem vindo, comente, critique, o anonimato aqui é bem vindo.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Mais sobre a gripe:

Este texto é do João Pereira Coutinho e recebi de um amigo por email.

O triunfo dos porcos


Fantasiamos há muito tempo a nossa própria destruição coletiva; nossa
histeria é incurável


DESISTI DE fazer terapia no dia em que comecei a sentir-me culpado por não me sentir culpado. O analista esperava confissões pungentes sobre horrores vários e infantis. Nada tinha para lhe dizer. E essa ausência de esqueletos no armário começou a alimentar uma angústia sem nome. Eu era um caso dramático de ansiedade por falta de ansiedade.
Ainda sou. E assim se entende o meu estado de espírito sempre que o ano avança e não existe nenhum apocalipse pronto para exterminar a raça humana. Os meses passavam: janeiro, fevereiro, março. E as autoridades mundiais não lançavam gritos lancinantes sobre uma doença, uma anomalia técnica, um vírus descontrolado e mortal. Nem sequer um espirro! Sei do que falo. Vocês, leitores, também. Nos últimos dez, 15 anos, praticamente não tivemos sossego. Basta consultar "Scared to Death", um livro notável que Christopher Booker e Richard North publicaram recentemente no Reino Unido. Antes mesmo do século 21 começar, os perigos estavam nas vacas e na carne delas. A doença tinha nome divertido ("doença da vaca louca") e consequências menos divertidas: uma doença neurológica degenerativa e incurável que prometia condenar meio milhão de seres humanos a uma morte precoce e terrível.
Lembro-me bem: imagens de vacas trémulas, a dançar o twist; a matança de milhares delas, com ou sem sintomas; e os criadores de gado arruinados. Muitos optaram pelo suicídio. Pobrezinhos. Ainda hoje está por provar que a encefalopatia espongiforme bovina seja a causa da doença de Creutzfeldt-Jacob nos seres humanos.
Veio o milênio. E, com o milênio, vieram novos perigos. Não de origem animal. Mas humana. Ou, se preferirem, tecnológica. Na virada de 1999 para 2000, um "bug" informático iria paralisar as cidades, os transportes, o sistema bancário e financeiro. Aviões cairiam do céu. Milhões de doentes não resistiriam à paragem das máquinas. Os países mais desenvolvidos gastaram US$ 300 bilhões de dólares (estimativa conservadora) para evitarem o colapso. Quando a meia-noite soou, o mundo, inexplicavelmente, continuou.
Suspirou-se de alívio. Ou de desilusão? Os suspiros duraram pouco tempo. Se a humanidade resistira ao "bug" informático, não iria sobreviver à "gripe das aves". A Organização Mundial de Saúde garantia que 7 milhões de pessoas estavam condenadas. As Nações Unidas, não contentes com 7 milhões, falavam já em 150 milhões. Especialistas vários preferiam dizer 350 milhões. Moral da história? Morreram 200 pessoas, sobretudo na Ásia rural, onde a pobreza e a desnutrição não ajudam. Morreram incomparavelmente menos pessoas do que as vítimas normais que a gripe normal provoca todos os anos, em todos os países do mundo.
Eis a verdade: andamos há muito tempo a fantasiar a nossa própria destruição coletiva. São as vacas. As aves. O "bug" informático. A pneumonia atípica. A catástrofe ecológica e climatérica que nos espera. Ou, para sermos mais atuais, uma gripe de origem suína e mexicana que, nas palavras de Margaret Chan, diretora-geral da Organização Mundial de Saúde, coloca toda a humanidade em risco. Que essa "gripe suína" esteja sobretudo confinada ao México, pouco importa. Que as vítimas do México sejam praticamente insignificantes quando comparadas com as vítimas regulares de gripe regular, também não. E que os infectados fora do México estejam a responder aos medicamentos disponíveis, muito menos. A realidade dos fatos não altera a nossa histeria. E não altera porque a nossa histeria é profunda e incurável. Hoje, vivemos mais. Hoje, vivemos melhor. Mas apesar disso, ou sobretudo por causa disso, entramos em pânico sempre que a morte, ou mesmo a mera possibilidade da morte, ameaça o nosso único deus: o corpo, o nosso corpo, e a "Religião da Saúde" que substituiu todas as outras teologias tradicionais. Tememos a nossa destruição física. Mas, como em qualquer temor, recriamos e até desejamos essa mesma destruição, como se isso redimisse a radical solidão dos homens de hoje. Tão modernos que somos. E tão entediados que nos sentimos.
Um conselho: nada nesta vida se faz sem perseverança. Quem sabe? Se desejarmos muito que algo aconteça, talvez um dia alguém lá cima se lembre de responder às nossas preces.

Um comentário:

Otávio Rangel disse...

Massa esse texto.
Vivemos em busca do fim, em busca de alcançar o paraíso religioso ou a sua sonhada posição na empresa.
Crises como essas são criadas para estagnar ainda mais as pessoas frente a um way of life mundial pra lá de falido.